Era finalzinho da década de 70, e estávamos nos adaptando à
crise do petróleo que jogou o preço da gasolina para as alturas.
Na época, o movimento dos trabalhadores, que culminaria na
fundação do partido dos trabalhadores, já estava em pauta, em surdina, indo de
boca em boca entre uma parte da população insatisfeita do Estado de São Paulo.
Nesses anos, já tinha tomado decisões baseadas na lógica que
me levaram a ser anarquista.
Cheguei até mesmo a flertar e me filiar ao nascente PT,
apesar de não concordar com a linha política que era traçada pelos núcleos que
davam forma à ideologia partidária petista.
Mas achava na época, que, pelo menos, era uma alternativa
diferente daquela que já estava sacramentada, mas que não trazia resultados
positivos, politicamente.
Uma amiga, da época do ginásio, me encontrou em uma balada
rockeira , e entre muito Rock’n Roll,
muita bebida, relembranças dos tempos de ginásio e troca de ideias, ela me
convidou para participar de uma reunião de um dos núcleos do nascente partido
dos trabalhadores.
Esse núcleo era um dos muitos que tentavam assumir o poder
ideológico, dentro do PT, e se auto intitulava: Convergência Socialista.
Resolvi aceitar o convite, pois ela era uma querida amiga e
muitos dos seus ideais, eram muito parecidos com os meus, na época.
Já de antemão, eu sabia que os pais dela eram trotskistas
revolucionários, e ela, digamos, foi incentivada a seguir o mesmo caminho dos
pais...
Data marcada, num belo sábado, eu fui para o local da
reunião, era um depósito de fábrica desativado, que comportava mais ou menos
umas 400 pessoas.
No galpão, foi montada uma espécie de palanque, muitas
cadeiras desmontáveis de ferro estavam dispostas de forma ordenada e as paredes
estavam decoradas com enormes, gigantescos painéis com as imagens de Trotsky,
Lenin e Marx.
O local, quando cheguei, já estava praticamente cheio, mas a
reunião ainda não tinha começado.
De repente, comecei a ouvir gritos de ordem e após esses
gritos, hinos revolucionários começaram a ser entoados, todos começaram a
cantar e percebi uma espécie de catarse se apresentando nos olhos de alguns
participantes da reunião.
Mais gritos de ordem e finalmente, sobem ao palanque
improvisado, os dirigentes dessa célula trotskista dentro do PT.
E o que vi e ouvi me deixou pasmo.
Os discursos e as atitudes dos ouvintes participantes ante
estes discursos, seus cantos em louvor ao socialismo e a seus teoristas e fundadores,
me fez perceber uma coisa muito incômoda.
Não havia diferença alguma entre essa reunião e uma reunião
religiosa.
Estas pessoas, haviam apenas trocado um suposto deus, por
outros deuses, no caso, trocaram-no por Marx, Lenin e Trotsky.
A mesma insanidade teológica que eu já havia visto nos
olhares de alguns fundamentalistas religiosos, eu vi nos olhares de muitos
participantes dessa reunião.
Despedi-me dessa minha amiga, no meio da missa, opppsss:
reunião, dando uma desculpa qualquer e fui embora para mais uma balada rockeira.
Na semana seguinte, escrevi uma carta ao partido, cancelando
minha filiação, expondo os fatos e a minha não concordância em relação a esses
núcleos que se digladiavam para tomar o poder dentro do partido e que jamais
tiveram a coragem de sair dele para fundar partidos próprios.
Hoje, vemos o resultado desses núcleos dentro do PT, eles
formaram religiosos xiitas militantes e não revolucionários políticos.
Nunca mais encontrei essa minha antiga amiga. Fico
imaginando de forma hilária e quase infantil, que deve ela estar em alguma espécie
de convento marxista, acendendo velas para Trotsky e rezando para Marx...
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