segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Igreja Trotskista de todos os dias

Autor: Roberto das Neves



Era finalzinho da década de 70, e estávamos nos adaptando à crise do petróleo que jogou o preço da gasolina para as alturas.

Na época, o movimento dos trabalhadores, que culminaria na fundação do partido dos trabalhadores, já estava em pauta, em surdina, indo de boca em boca entre uma parte da população insatisfeita do Estado de São Paulo.

Nesses anos, já tinha tomado decisões baseadas na lógica que me levaram a ser anarquista.
Cheguei até mesmo a flertar e me filiar ao nascente PT, apesar de não concordar com a linha política que era traçada pelos núcleos que davam forma à ideologia partidária petista.

Mas achava na época, que, pelo menos, era uma alternativa diferente daquela que já estava sacramentada, mas que não trazia resultados positivos, politicamente.

Uma amiga, da época do ginásio, me encontrou em uma balada rockeira , e entre muito  Rock’n Roll, muita bebida, relembranças dos tempos de ginásio e troca de ideias, ela me convidou para participar de uma reunião de um dos núcleos do nascente partido dos trabalhadores.

Esse núcleo era um dos muitos que tentavam assumir o poder ideológico, dentro do PT, e se auto intitulava: Convergência Socialista.

Resolvi aceitar o convite, pois ela era uma querida amiga e muitos dos seus ideais, eram muito parecidos com os meus, na época.

Já de antemão, eu sabia que os pais dela eram trotskistas revolucionários, e ela, digamos, foi incentivada a seguir o mesmo caminho dos pais...

Data marcada, num belo sábado, eu fui para o local da reunião, era um depósito de fábrica desativado, que comportava mais ou menos umas 400 pessoas.

No galpão, foi montada uma espécie de palanque, muitas cadeiras desmontáveis de ferro estavam dispostas de forma ordenada e as paredes estavam decoradas com enormes, gigantescos painéis com as imagens de Trotsky, Lenin e Marx.

O local, quando cheguei, já estava praticamente cheio, mas a reunião ainda não tinha começado.
De repente, comecei a ouvir gritos de ordem e após esses gritos, hinos revolucionários começaram a ser entoados, todos começaram a cantar e percebi uma espécie de catarse se apresentando nos olhos de alguns participantes da reunião.

Mais gritos de ordem e finalmente, sobem ao palanque improvisado, os dirigentes dessa célula trotskista dentro do PT.

E o que vi e ouvi me deixou pasmo.

Os discursos e as atitudes dos ouvintes participantes ante estes discursos, seus cantos em louvor ao socialismo e a seus teoristas e fundadores, me fez perceber uma coisa muito incômoda.

Não havia diferença alguma entre essa reunião e uma reunião religiosa.

Estas pessoas, haviam apenas trocado um suposto deus, por outros deuses, no caso, trocaram-no por Marx, Lenin e Trotsky.

A mesma insanidade teológica que eu já havia visto nos olhares de alguns fundamentalistas religiosos, eu vi nos olhares de muitos participantes dessa reunião.

Despedi-me dessa minha amiga, no meio da missa, opppsss: reunião, dando uma desculpa qualquer e fui embora para mais uma balada rockeira.

Na semana seguinte, escrevi uma carta ao partido, cancelando minha filiação, expondo os fatos e a minha não concordância em relação a esses núcleos que se digladiavam para tomar o poder dentro do partido e que jamais tiveram a coragem de sair dele para fundar partidos próprios.

Hoje, vemos o resultado desses núcleos dentro do PT, eles formaram religiosos xiitas militantes e não revolucionários políticos.

Nunca mais encontrei essa minha antiga amiga. Fico imaginando de forma hilária e quase infantil, que deve ela estar em alguma espécie de convento marxista, acendendo velas para Trotsky e rezando para Marx...
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